quarta-feira, 26 de março de 2014

Tu verás o que é imortal, se agora acreditares nele.


Do Livro A Autólico, de São Teófilo de Antioquia, bispo

  (Lib. 1,2.7:PG6,1026-1027.1035)            (Séc.II)

Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus

Se me disserem: “Mostra-me o teu Deus”, dir-te-ei: “Mostra-me o homem que és e eu te mostrarei o meu Deus”. Mostra, portanto, como veem os olhos de tua mente e como ouvem os ouvidos de teu coração.
Os que veem com os olhos do corpo, percebem o que se passa nesta vida terrena, e observam as diferenças entre a luz e as trevas, o branco e o preto, o feio e o belo, o disforme e o formoso, o que tem proporções e o que é sem medida, o que tem partes a mais e o que é incompleto; o mesmo se pode dizer no que se refere ao sentido do ouvido: sons agudos, graves ou harmoniosos. Assim também acontece com os ouvidos do coração e com os olhos da alma, no que diz respeito à visão de Deus.
Na verdade, Deus é visível para aqueles que são capazes de vê-lo, porque mantêm abertos os olhos da alma. Todos têm olhos, mas alguns os têm obscurecidos e não veem a luz do sol. E se os cegos não veem, não é porque a luz do sol deixou de brilhar; a si mesmos e a seus olhos é que devem atribuir a falta de visão. É o que ocorre contigo: tens os olhos da alma velados pelos teus pecados e tuas más ações.
O homem deve ter a alma pura, qual um espelho reluzente. Quando o espelho está embaçado, o homem não pode ver nele o seu rosto; assim também, quando há pecado no homem, não lhe é possível ver a Deus.
Mas, se quiseres, podes ficar curado. Confia-te ao médico e ele abrirá os olhos de tua alma e de teu coração. Quem é este médico? É Deus, que pelo seu Verbo e Sabedoria dá vida e saúde a todas as coisas. Foi por seu Verbo e Sabedoria que Deus criou o universo: A Palavra do Senhor criou os céus, e o sopro de seus lábios, as estrelas (Sl 32,6). Sua Sabedoria é infinita. Com a sua Sabedoria, Deus fundou a terra; com a sua inteligência consolidou os céus; com sua ciência foram cavados os abismos e as nuvens derramaram o orvalho.
Se compreenderes tudo isto, ó homem, se a tua vida for santa, pura e justa, poderás ver a Deus. Se deres preferência em teu coração à fé e ao temor de Deus, então compreenderás. Quando te libertares da condição mortal e te revestires da imortalidade, então serás digno de ver a Deus. Sim, Deus ressuscitará o teu corpo, tornando-o imortal como a tua alma; e então, feito imortal, tu verás o que é Imortal, se agora acreditares nele.

terça-feira, 25 de março de 2014

Solenidade da Anunciação do Senhor

Alesso Baldovinetti - Anunciação - 1447

Das Cartas de São Leão Magno, papa

(Epist. 28, ad Flavianum, 4: PL 54,763-767)     (Séc.V)

O sacramento da nossa reconciliação  
A humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza, pela força, a mortalidade, pela eternidade. Para saldar a dívida de nossa condição humana, a natureza impassível uniu-se à natureza passível. Deste modo, como convinha à nossa recuperação, o único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, podia submeter-se à morte através de sua natureza humana e permanecer imune em sua natureza divina.
Por conseguinte, numa natureza perfeita e integral de verdadeiro homem, nasceu o verdadeiro Deus, perfeito na sua divindade, perfeito na nossa humanidade. Por “nossa humanidade” queremos significar a natureza que o Criador desde o início formou em nós, e que assumiu para renová-la. Mas daquelas coisas que o Sedutor trouxe, e o homem enganado aceitou, não há nenhum vestígio no Salvador; nem pelo fato de se ter irmanado na comunhão da fragilidade humana, tornou-se participante dos nossos delitos.
Assumiu a condição de escravo, sem mancha de pecado, engrandecendo o humano, sem diminuir o divino. Porque o aniquilamento, pelo qual o invisível se tornou visível, e o Criador de tudo quis ser um dos mortais, foi uma condescendência da sua misericórdia, não uma falha do seu poder. Por conseguinte, aquele que, na sua condição divina se fez homem, assumindo a condição de escravo, se fez homem.
Entrou, portanto, o Filho de Deus neste mundo tão pequeno, descendo do trono celeste, mas sem deixar a glória do Pai; é gerado e nasce de modo totalmente novo. De modo novo porque, sendo invisível em si mesmo, torna-se visível como nós; incompreensível, quis ser compreendido;existindo antes dos tempos, começou a existir no tempo. O Senhor do universo assume a condição de escravo, envolvendo em sombra a imensidão de sua majestade; o Deus impassível não recusou ser homem passível, o imortal submeteu-se às leis da morte.
Aquele que é verdadeiro Deus, é também verdadeiro homem; e nesta unidade nada há de falso, porque nele é perfeita respectivamente tanto a humanidade do homem como a grandeza de Deus.
Nem Deus sofre mudança com esta condescendência da sua misericórdia nem o homem é destruído com sua elevação a tão alta dignidade. Cada natureza realiza, em comunhão com a outra, aquilo que lhe é próprio: o Verbo realiza o que é próprio do Verbo, e a carne realiza o que é próprio da carne.
A natureza divina resplandece nos milagres, a humana, sucumbe aos sofrimentos. E como o Verbo não renuncia à igualdade da glória do Pai, também a carne não deixa a natureza de nossa raça.
É um só e o mesmo – não nos cansaremos de repetir – verdadeiro Filho de Deus e verdadeiro Filho do homem. É Deus, porque no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus: e o Verbo era Deus. É homem, porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,1.14).