Dos Sermões de Santo Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja, século V.
(Sermo 23A,1-4: CCL 41,321-323)
Felizes de nós, se o que ouvimos e cantamos também executamos. A audição é nossa semeadura, e nossos atos, frutos da semente. Disse isto de antemão para exortar vossa caridade e não entrardes sem fruto na igreja, ouvindo tantas coisas boas sem realizá-las. Porque por sua graça fomos salvos, assim diz o Apóstolo, não por nossas obras, não aconteça alguém se ensoberbecer (Ef 2,8-9) pois por sua graça fomos salvos (Ef 2,5). Pois não precedeu nenhuma vida virtuosa que Deus pudesse amar e dizer: “Ajudemos, socorramos estes homens porque vivem bem”. Desagradava-lhe nossa vida, desagradava-lhe em nós tudo o que fazíamos, mas não lhe desagradava o que ele mesmo fez em nós. Por isto, o que nós fizemos, ele o condenará; o que ele próprio fez, ele o salvará.
Não éramos bons. Mas ele se compadeceu de nós e enviou seu Filho para morrer não pelos bons, mas pelos maus, não pelos justos, mas pelos ímpios. Na verdade Cristo morreu pelos ímpios (Rm 5,6). E como continua? Mal se encontra alguém que morra por um justo, pois talvez alguém se atreva a morrer por um bom (Rm 5,7). Quiçá haja alguém que ouse morrer por um bom. Mas pelo injusto, pelo ímpio, pelo iníquo, quem quererá morrer? Só Cristo, para que, justo, justifique até mesmo os injustos.
Não tínhamos, meus irmãos, nenhuma obra boa, mas todas eram más. E sendo tais os atos dos homens, sua misericórdia não abandonou os homens. Deus enviou seu Filho, para remir-nos, não por ouro, não por prata, mas ao preço de seu sangue derramado, cordeiro imaculado levado como vítima pelas ovelhas maculadas, se é que só maculadas e não totalmente corrompidas! Recebemos então esta graça. Vivamos de modo digno dessa graça e não façamos injúria à grandeza do dom que recebemos. Tão grande médico veio a nós e perdoou todos os nossos pecados. Se quisermos recair na doença, não só nos prejudicaremos a nós mesmos, mas seremos ingratos ao próprio médico.
Sigamos os caminhos que ele próprio indicou, muito em especial a via da humildade, via que ele mesmo se fez por nós. Mostrou-nos pelos preceitos o caminho da humildade e criou-o padecendo por nós. Com o intuito de morrer por nós – e sem poder morrer – o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14), para poder morrer por nós, aquele que não podia morrer. E com sua morte matar nossa morte.
Fez isto o Senhor, isto nos concedeu. O excelso humilhou-se, humilhado foi morto e, ressurgindo, foi exaltado, a fim de não nos deixar mortos nas profundezas, mas de exaltar em si na ressurreição dos mortos aqueles que já agora exaltou pela fé e o testemunho dos justos. Deu-nos então a humildade como caminho. Se nos agarrarmos a ela, confessaremos o Senhor e com toda razão cantaremos: Nós te confessaremos, Senhor, confessaremos e invocaremos teu nome (Sl 74,2).
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